domingo, 21 de dezembro de 2008

A ESTRELA

"Eu caminhei na noite.E entre o silêncio e frio. Só uma estrela secreta me guiava.
Grandes perigos na noite me apareceram:Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo. Duma cidade a néon enfeirada.
A minha solidão me pareceu coroa.Sinal de perfeição em minha fronte.
Mas vi quando no vento me humilhava.Que a coroa que eu levava era dum ferro
Tão pesado, que toda me dobrava.Do frio das montanhas eu pensei:
«Minha pureza me cerca e me rodeia».Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava. E eu vi que a limpidez não era eu.
E a fraqueza da carne e a miragem do espírito. Em monstruosa voz se transformaram:
Pedi às pedras do monte que falassem, mas elas como pedras se calaram.
Sozinha me vi, delirante e perdida. E uma estrela serena me espantava.
E eu caminhei na noite, minha sombra.De gestos desmedidos me cercava. Silêncio e medo
Nos confins dos desertos caminhavam:Então vi chegar ao meu encontro. Aqueles que uma estrela iluminava. E assim me disseram: «Vem connosco. Se também vens seguindo aquela estrela». Então soube que a estrela me seguia. Era real e não imaginada.
Grandes e humanas miragens nos mostraram. Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava.E eu espantada vi que aquela estrela
Para cidade dos homens nos guiava.
E a estrela do céu parou em cima duma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha o mesmo tom que a cinza.Longe do verde-azul da Natureza.
Ali não vi as coisas que eu amava.Nem o brilho do sol nem o da água. Ao lado do hospital e da prisão. Entre o agiota e o templo profanado.Onde a rua é mais negra e mais sem luz.E onde tudo parece abandonado. Um lugar pela estrela foi marcado.
Nesse lugar pensei: Quando deserto. Atravessei para encontrar aquilo. Que morava entre os homens tão perto."

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004

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